O Poder e a Glória

Uma Maneira de Morrer


Praça de São Pedro - Vaticano - ao fundo, Basílica Vaticana

O texto à seguir é um trecho extraído do livro Os Judeus do Papa de Gordon Thomas. Trata-se de uma reprodução autorizada com fins de divulgação (amostragem). Os direitos do autor foram assegurados.


Naquela desolada manhã de inverno, em 10 de fevereiro de 1939, Eugenio Maria Giuseppe Pacelli estava parado no vão da porta do quarto observando o que se sucedida em volta da cama de bronze. Duas freiras de meia-idade realizavam seu trabalho em movimentos harmoniosos, exatamente como se esperava que fosse. Lidar com a morte era algo que os anos de experiência havia lhes dado. Para Pacelli, morrer era uma garantia de vida após a morte. Muito tempo antes havia aprendido isso com sua mãe, Virginia, uma filha devota da Igreja Católica Apostólica Romana.

O filho de Virginia era sua Eminência, o cardeal secretário de Estado da Santa Sé, a figura mais poderosa dentro da Igreja. Uma hora atrás, logo após a morte do homem idoso na cama, papa Pio XI, Pacelli se tornara a figura mais importante de todo o mundo católico. Ele era agora o camerlengo, um posto que combinava o papel do tesoureiro do Vaticano com o chefe de gabinete da Santa Sé. Ele seria o responsável pela organização do funeral do papa Pio XI e pelo conclave para eleger um novo papa. Pacelli tinha sessenta e quatro anos de idade e estatura média, era magro, com nariz tipicamente romano, reto com narinas estreitas e uma leve saliência no meio da ponte. Por trás de seus óculos de estilo antiquado, residia o olhar de um homem que imediatamente sabia reconhecer e entender uma situação.

Através da janela fechada do andar onde estava o quarto do Palácio Apostólico do Vaticano chegava, de mais de sessenta metros abaixo, o murmúrio da multidão na praça São Pedro que rezava pela alma do papa Pio XI, o 259° sumo pontífice da Igreja. Durante vários anos, ostentara vários títulos, postos e poder, que haviam afetado diretamente a vida de vários milhões de católicos. Pio estava às portas da morte havia dias, a duras penas era mantido vivo pelos remédios que seus médicos lhe administravam. Eles haviam deixado o quarto, seu trabalho finalmente estava encerrado. Em breve Pacelli começaria o seu.

Pacelli continuava a observar o corpo, ainda envolto em sua camisola branca. Uma freira havia removido as meias de dormir que o papa usava devido a sua circulação sanguínea insuficiente, um dos muitos problemas médicos por ele enfrentados. Estava com oitenta e um anos, a pele firme em seu crânio, seu cabelo delicadamente grisalho e as veias saltadas no dorso de suas mãos. Seus olhos foram fechados; não olhariam mais de maneira afavelmente inquiridora.

Poucos dias antes, ainda haviam olhado para Pacelli, quando este estava sentado ao lado da cama e conversavam de um assunto familiar, o destino dos judeus ou, mais precisamente, o de Guido Mendes e sua família. Para o papa e Pacelli, eles representavam o que estava acontecendo com os judeus na Alemanha e na Itália e em todos os países onde o antissemitismo estava se espalhando.

[...]

Em seu leito de morte, o papa Pio XI havia falado da necessidade de Pacelli continuar sua campanha contra o antissemitismo. As freiras haviam completado seu trabalho e murmurando as palavras tradicionais: "Ó, Senhor, trago a ti meu louvor...". Embaixo, na praça, havia o som do trânsito e da polícia montando barreiras para controlar a multidão crescente que se reunia para guardar luto pelo falecimento do papa.

Pacelli avaliava o momento de se aproximar da beira da cama. As emoções causadas pela morte já invadiam os ares do quarto. A face das duas freiras estava tomada de luto, suas vozes eram emotivas durante as orações. Além da janela, os primeiros raios de sol do dia passaram acima do límpido Tibre para tocar a cruz no topo da basílica de São Pedro. O volume das orações que chegavam da praça aumentava. Pacelli adentrou o quarto, parando apenas para as freiras saírem. Ficou ao lado da cama e fez sua própria oração.

Assim que a alvorada começou a iluminar os céus do lado de fora da janela do quarto, Pacelli soube que, antes de poder iniciar os preparativos para o funeral e solicitar milhares de questões até o novo papa pudesse ser eleito no conclave, deveria desempenhar sua primeira obrigação na condição de camerlengo. Removeu o Anel do Pescador do dedo anular direito do papa. Mais tarde ele usaria uma tesoura grande de prata para quebra o anel em frente ao Colégio de Cardeais reunidos antes de entrarem no conclave. Assim que um novo papa fosse eleito, receberia seu novo anel, mais um símbolo de sua autoridade. Pacelli se prostrou sobre o corpo e beijou-lhe a testa e as mãos antes de sair do quarto, fechado a porta atrás de si.

Sua Santidade o Papa Pio XII


Trecho extraído do livro: Os Judeus do Papa: O plano secreto do vaticano para salvar os Judeus das mãos dos nazistas / Gordon Thomas; tradução Marco Aurélio Schaunmloeffel. - 1. ed. - São Paulo: Geração Editoral, 2013. PP. 27 a 30. 

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